Resenha crítica sobre a peça teatral “Encruzilhada” de Leno Sacramento.
Por Rodrigo Veloso
No dia 8 de julho de 2017 o ator Leno Sacramento, do Bando de Teatro do Olodum, fazia a estreia da peça “Encruzilhada”, no Teatro Vila Velha, em Salvador. O monólogo tem como objetivo levar ao público diversas formas de preconceito que a sociedade desenvolve ao homem negro. Dentre elas, social, cultural, financeira, estética e psicológica.
No cenário, a peça é desenvolvida em uma estética densa, com luzes duras, e efeitos sonoros de tensão, no qual o personagem passa por diversas situações de preconceito no seu dia-a-dia: abordagens truculentas de policiais, preconceito em transporte público e vias públicas.
O que Leno não esperava era que, em menos de ano depois, a sua peça se transformaria em um acontecimento real.
Na tarde do dia 13 de junho de 2018, Leno foi surpreendido por um tiro de um policial, enquanto andava de bicicleta junto com um amigo, no centro de Salvador. Ele foi confundido por um assaltante, que também estaria de bicicleta pela região.
Geralmente, a arte tem o poder de tornar os acontecimentos - históricos ou não –, reais; através do teatro, do cinema, da literatura, etc. Mais ainda quando é retratado em espetáculos e peças muito bem feitas, como foi o caso da Encruzilhada. Mas o que aconteceu aqui foi o seguinte: a arte anteviu o acontecimento.
Na mesma pele em que Leno, na dramaturgia mais que real da sua peça, dá pinceladas de emoções ao público presente, e conta o drama e história de milhares de pessoas, ele mesmo conta a sua própria história, que como em um presságio estará prestes a sofrer, e da pior forma.
Infelizmente, nessa mesma cidade, onde residem mais pessoas negras no país, uma ocorrência de roubo pode ser fatal para uma pessoa negra. É absurdo, mas isso se diz respeito a maior parte da população da cidade.
Acontecimentos como esse ocorrem diariamente, à luz do dia, todos os dias, e em todos os lugares. Em uma tarde que era para ser tranquila, no centro de Salvador, em uma das ruas mais movimentadas da cidade, Leno só gostaria de ter chegado ao seu trabalho em paz.
Peças tão importantes e reais como a Encruzilhada deveria ser mais divulgadas, não só na cidade de Salvador, mas no mundo inteiro. A conscientização através da arte para combater o racismo e o preconceito, deveria ser exposta com mais veemência.
A arte tem o poder de combater e gritar o que está acontecendo com o povo, ela exterioriza a camada mais profunda e sombria que existe dentro da nossa sociedade. É impossível não levar em conta acontecimentos como esse - ainda mais quando acontece bem debaixo do nosso nariz, - e não ter outra postura e mentalidade na esfera tão profunda e real que é a do racismo.
Penso que se pode acontecer o que aconteceu com Leno, pode acontecer com alguém mais próximo a mim, como algum amigo ou esmo alguém da minha família. A cultura brasileira, baiana, soteropolitana é muito rica. Carregamos traços de um antepassado sofrido, que reflete até hoje na nossa sociedade.
O mais curioso é que o nosso povo é o mais sorridente e feliz do Brasil, mesmo passando tantas dificuldades. A arte não pode parar: para ascender ainda mais a cultura e história do nosso povo. E a luta tem que continuar: bem diante das nossas realidades teatrais.
Resenha crítica produzida como atividade do componente curricular - Jornalismo e Cultura Brasileira ministrada pela profa. Helen Campos.
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