Por - Enzo Matheus
A televisão brasileira existe desde 1950 e nela se tem muita história que retrata inclusive as relações raciais que atravessam a constituição do país. Podemos falar da TV em grandes matérias jornalistas, entretenimento, publicidade, o universo televisivo é vasto. Mas hoje falaremos sobre a representatividade negra nas telenovelas, o porquê de atrizes e atores terem sido convidados geralmente para encenar personagens que passeiam por dois polos, ora de coitadinho, sempre vitimados seja economicamente ou socialmente ou como bandido, retratando cenas de violência. É importante ressaltar que as novelas muitas vezes só retratam o preconceito velado na sociedade, embora hoje na atualidade alguns atores e atrizes negros e negras, já ocupem papéis de destaque nos enredos, mas ainda é pouco para uma sociedade majoritariamente negra.
Conforme Joel Zito Araújo, seja em seu doc. "A negação do Brasil" ou em seu texto "O negro na dramaturgia, um caso exemplar da decadência do mito da democracia racial Brasileira" (disponível em <https://www.scielo.br/j/ref/a/9ZGKYRnVx8rmgZDYs6NBrVv/?lang=pt ) o Brasil por si é uma sociedade racista, embora muitos fechem os olhos e digam que não existe racismo, as narrativas escancaram imaginários construídos sob uma lógica racista e sexista. O negro brasileiro ainda encontra dificuldade para ocupar grandes cargos, pelo contrário, em sua maioria a partir de uma cultura capitalista são subjugados a contextos econômicos empobrecidos e muitos vivem de empregos informais. Nesse sentido podemos concordar que as novelas têm razão, pois elas só revelam um pouco da realidade desse povo. Mas por outro lado, podemos refletir o quanto essas narrativas contribuem na manutenção dessa situação, alimentando imaginários onde alguns corpos são naturalizados como protagonistas e outros como papeis secundários e de pouca relevância.
Estereótipos e pré-definição de imaginários
Ao olharmos para a história da televisão brasileira, podemos ver vários grandes artistas negros que tiveram suas trajetórias ocultadas ou pouco visibilizadas. O porquê deles quase nunca serem os protagonistas, ser o empresário, o chefe? Poucas vezes foram, e quando foram, sempre foram vistos com olhares de desconfiança. Essa desconfiança vem porque os estereótipos para as pessoas negras já são definidos e, quando se tem um negro fugindo dos padrões, isso causa um espanto.
Os estereótipos racistas foram definidos para o negro como: o que gostava do samba, empregado(a), bandido ou coitadinho, além de outros cargos. Se os meios de comunicações e, principalmente as novelas que são um dos principais produtos consumido na TV brasileira passa esse modelo, como mudar isso cabeça das pessoas? É preciso descolonizar o imaginário do próprio negro desconstruindo a naturalização e a conformação com essas situações.
Breve histórico de novelas brasileiras em que atores e atrizes negros(as) tiveram protagonismo
Desde a década de 1960, início das telenovelas brasileiras, a participação de atores e atrizes negras evoluiu pouco. Nos anos 1960, os negros somente atuavam interpretando afro-brasileiros em situações de total subalternidade, sendo a mulher constantemente colocada no papel de escrava ou empregada. Nessa época, as telenovelas procuravam confirmar o mito da democracia racial brasileira e da convivência pacífica entre as raças. Os galãs e mocinhas frequentemente eram brancos e loiros.
Na década seguinte, os anos 1970, as novelas tinham como foco mostrar os conflitos e dramas dos brasileiros na luta pela ascensão social, na década do milagre econômico. Foi apenas nos anos 1990 que uma atriz negra (Taís Araújo) desempenhou o papel-título em uma telenovela, Xica da Silva. Em 2004, a mesma atriz protagonizou Da cor do pecado, da Rede Globo, sendo a primeira protagonista negra da história das novelas da emissora.
Da Cor do Pecado, Taís Araújo foi protagonista ao lado do seu futuro marido, Lázaro Ramos. Mas ambos, mesmo sendo protagonistas, eram vistos com olhares de desconfiança. Lázaro interpretando Foguinho, assumiu a presidência da empresa, mesmo assim ele era desrespeitado por alguns funcionários. A desconfiança era grande em cima deles, mas essa desconfiança não só era pelo jeito extrovertidos deles, também e especialmente pela cor de pele.
Ainda hoje, onde o racismo é combatido com mais força do que no passado, o negro continua sendo pouco representado. De 1960 até hoje, em nenhuma novela o negro foi o protagonista onde não tivesse dúvida do caráter dele.
A religião com raizes afro descendentes é outro exemplo de desrespeito. Quantas vezes já não assistimos novelas em que se tenha preconceito contra religião de matrizes africanas, onde se tem um olhar de desdém, como se fosse uma religião voltada para bruxarias. O estereótipo criado é inclusive de que só pessoas negras fizessem parte dessa religião.
A última novela, e talvez a única onde tivemos negros e negras com cargos e ambições maiores dentro de uma empresa, foi na novela Bom Sucesso. Onde muitos negros trabalhavam em uma livraria, que, embora eles não fossem o dono, mas ocupavam papéis grandes. A livraria lançou até um livro de uma escritora negra.
Papel das telenovelas no combate ao racismo
O sonho de todos é uma sociedade mais justa. As telenovelas hoje conseguem incluir pessoas afrodescendentes, porém o desejo de muitos são essas pessoas ocupando papéis e cargos de destaques. Não e só ser o protagonista sendo um pobre, que se apaixona pelo rico e almeja grandes objetivos na vida. É ser o protagonista desde o começo, podendo ter bons empregos e não sendo subordinado. Se quisermos um Brasil menos racista, as telenovelas podem ter uma grande contribuição para esse desenvolvimento.
Devido ao alcance de público, as telenovelas e séries, bem como as propagandas, são responsáveis por elaborar e propagar modelos identitários que serão referência para o espectador. Por isso, é necessário que haja uma equidade racial, no sentido de fazer com que a ideologia do branqueamento e o desejo de euro-norte-americanização não dominem a maior parte representativa da TV.
Resenha crítica produzida como atividade do componente curricular - Jornalismo e Cultura Brasileira ministrada pela profa. Helen Campos.
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