terça-feira, 9 de junho de 2020

O fotojornalismo em tempos de Covid em Salvador

Entrevista concedida pela fotojornalista baiana Shirley Stolze, que trabalha na área há 35 anos.

Por: Rodrigo Bulcão Teixeira Veloso
Editora Chefe: Helen Campos

Shirley Stolze - Casa de Castro Alves
Crédito: Bruno Winycius

Rodrigo Veloso - Qual a sua trajetória no jornalismo? Como você se tornou fotojornalista do jornal A Tarde? Começou no impresso?
Shirley Stolze – O meu primeiro jornal foi o Correio da Bahia, há muito tempo, depois passei pelo jornal A Tarde, depois Bahia Hoje, retornando agora para o jornal A Tarde.
Comecei na fotografia de filme, revelando as fotos em laboratório, todos os jornais tinham laboratório e revelação. Na época ainda era preto e branco, depois o jornal começou a usar filme colorido e a fazer impressões com cor.


Rodrigo Veloso – Porque você escolheu ser fotojornalista?

Shirley Stolze – Sou formada em artes plásticas, quando se faz esse curso tem uma matéria que fazemos fotografia, e quando entrei em um laboratório tive a certeza que não queria pintura ou escultura, queria foto. Ali me encantei pela fotografia e a partir disso comecei a estudar muito, olhar muitos jornais, ler muito o Jornal do Brasil. Tem três mestres fotojornalistas que adoro muito: Evandro Teixeira, Nair Benedicto e Aristides Batista.


Rodrigo Veloso – Como você avalia as mudanças no modo como o jornalismo impresso era feito, no seu começo, até o momento atual, na era das redes sociais?

Shirley Stolze – O jornal impresso ele continua, mas as pessoas hoje olham mais os jornais online, em sites e nas redes sociais, porque é mais rápido. Mas existem muitas pessoas que preferem ainda pegar o jornal, sentir o cheiro, sujar a mão e ler o impresso.


Rodrigo Veloso – Você crer que teria um tempo hábil para o fim do formato do jornal impresso?

Shirley Stolze – É uma pergunta que não tenho uma resposta muito objetiva, acho que pode diminuir, mas acabar acho que não, acho que pra acabar ainda pode levar muito tempo.
É a mesma coisa com a fotografia analógica, diminuiu, mas ainda tem muitos fotógrafos que fazem foto com filme, muita gente do Rio e de São Paulo principalmente. Mas acabar, acho que não, mas não posso também te responder com uma certeza, é uma incógnita.


Rodrigo Veloso – Você se lembra da primeira vez que viu sua foto no jornal impresso? Qual foi a sensação?

Shirley Stolze – É uma sensação fantástica, ver o seu nome nos créditos com a foto. Não tenho certeza, mas acho que foi uma matéria com moradores de rua, era foto preto e branco ainda, foi muito interessante, uma emoção muito grande, ver uma foto sua no jornal pela primeira vez, sabia ali que estava no caminho certo e que queria aprender mais.
Eu tinha a certeza antes de começar em jornal, que queria a linguagem da fotografia para expressar meus sentimentos, tentar ajudar em alguma coisa, e quando você entra no jornal e vê sua foto que está editada e com um texto, é fantástico.


Rodrigo Veloso – Como a reação dos usuários influencia na produção de conteúdo de uma fotojornalista?

Shirley Stolze – As pessoas comentam bastante, me perguntam como consegui fazer a foto, e etc. Tem uma foto antiga que fiz, analógica, que foi muito comentada, não existia o digital ainda e tenho inclusive o jornal impresso, mas ainda não digitalizei. Foi uma greve no HGE, de todos os médicos, só quem não fazia a greve era o pessoal de plantão que tinha que pegar as pessoas que chegavam na emergência.
Peguei essa pauta e fui logo para o HGE, cedinho. Quando cheguei no HGE, na entrada que tem escrito “Emergência”, na porta, bem em frente tinha um bode, naquela região tinha algumas pessoas que criavam bodes, e por ali naquele momento passava um, justamente em frente da placa “Emergência”. Fiz essa foto e deu o que falar.
Tem outras também, tem uma que fiz na analógica também, era ACM visitando o Pelourinho, e um dos meninos que estavam ali pegou nas “partes baixas” de ACM e apertou, e ele morreu de rir, deu aquela risadinha de dor. Essa também foi muito falada, porque no outro dia foi foto da capa do jornal, falando algo como: “O carinho das crianças no Pelourinho”.
Registrar a população carente também causa muito impacto nas pessoas, e atualmente tem crescido as pessoas de rua, nessa época da pandemia. Não tem espaço físico, por mais que o prefeito e o governador consigam casas de apoio, tem ainda muita gente na rua, muita gente que não quer sair da rua e é preocupante pra essas famílias, porque ficam muito vulneráveis a pegar a doença, estamos passando por uma guerra.
As vezes muitas pessoas me ligam, comentam, também os colegas de profissão, um comenta com o outro, dar apoio, sempre damos opiniões e trocamos ideias.


Rodrigo Veloso - Quais os maiores desafios para um fotojornalista dentro de uma redação e na rua?

Shirley Stolze – O jornal tem uma adrenalina, que acho que todos nós gostamos da correia, de ser rápido. Tem que ser atento pra fazer a foto e pra mandar. Está casa dia mais louco, porque está sendo mais rápido.
E atualmente estamos passando por essa fase crítica, que temos que ter muito, muito, muito mais atenção onde você vai, onde você se desloca pra fazer a foto ou se vai entrar na casa de um personagem pra fazer a foto, tendo que manter a distância, não tocar em nada, usar álcool e gel sempre, a máscara não pode tirar, quando colocar só tirar quando chegar em casa. Não bebo água, sinto sede e fome, e fico atenta pra não tocar em nada, chegar em casa separo a minha roupa, o meu sapato fica do lado de fora, não entra há muito tempo, três meses que os meus sapato estão fora da minha casa e o banho muito mais demorado. A atenção aumentou muito, pra a gente que está trabalhando nessa época do Covid-19, todo cuidado é muito pouco, até com os colegas que encontramos na rua tem que ser a distância, precaução total. As coisas ficam mais tensas, porque você tem que se precaver e pensar também no outro, com quem você vai fotografar, com os colegas... é um vírus muito cruel, a atenção aumentou muito, haja álcool, haja sabão e ter cuidado.
O fotojornalismo é isso, a gente não pode nunca correr da raia, escolhemos essa opção e temos que trabalhar.


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